terça-feira, 23 de novembro de 2010

o Inicio da Crise no Sistema Desportivo Português (parte II)

(continuação)

Ora, havendo uma fonte, aparentemente, inesgotável de financiamento poucos foram os que se preocuparam em rentabilizar/optimizar/potenciar orçamentos, preferindo antes o caminho mais fácil: o da execução orçamental. Se há, é para se gastar! - deve ter sido o mote, anos a fio.

Acontece então que quando as vacas começaram a emagrecer e os investimentos em determinadas modalidades não obtinha o retorno previsto, estas entidades começaram a procurar o apoio de outras instituições, nomeadamente as particulares.

Nesse momento aparece em Portugal o "Apoio" - donativo em forma de patrocínio, que entidades privadas ofereciam a estas organizações, e que podia ser em dinheiro, géneros e/ou serviços, em troca de uma referência à entidade benemérita. Não havendo qualquer preocupação no retorno que isso traria. Basicamente o patrocínio não era visto como uma relação bilateral, uma forma de apoiar e ao mesmo tempo rentabilizar o seu negócio, mas sim como uma demonstração de poder de quem apoiava. Quanto maior o apoio, maior seria a importância da pessoa, ou entidade na comunidade local. Os Apoios enchiam o Ego de quem apoiava, os bolsos das colectividades e pouco mais. Mesmo não havendo preocupação com o retorno do apoio, não havia também a preocupação de como era aplicado o apoio para beneficio do clube a médio/prazo.

O Apoio funcionou enquanto as entidades particulares e privadas tiveram dinheiro, para indefinidamente e quase aleatoriamente distribuírem, e assim encher o seu ego e reforçar a imagem dos que as dirigiam na comunidade.

Mas também esta fonte se esgotou.

Entrou-se então na era dos reais patrocínios, relações bilaterais de win-win, um negócio onde cada uma das partes de aproveita dos pontos fortes da outra para acrescentar valor à sua. E ai começou o grande choque...

As entidades privadas rapidamente souberam o que queriam e como queriam, mas encontram na grande maioria do Sistema Desportivo um parceiro fraco, desorganizado, pouco objectivo, pouco visionário, com politicas desastrosas, incoerentes, inconsequentes e mal dirigido e com pouco retorno (embora com grande potencial). Encontram um Sistema Desportivo, incapaz de corresponder às suas necessidades, incapaz de oferecer retorno ao eventual investimento. E então deixaram de patrocinar!

Esgotada mais uma fonte, o associativismo, voltou-se novamente a cem por cento para o poder local, regional e central, passando a viver de subsídios, então distribuídos na sua grande maioria de forma aleatória, sem qualquer controlo e sem qualquer perspectiva de retorno. Mesmo em relação ao retorno social, tantas vezes enaltecido pelos despachantes dos apoios, temos duvidas quando à validade do argumento como justificação para o despesismo. Tal como com os dirigentes das entidades privadas, o Apoio oferecido pelas autarquias e outros orgãos, serviu mais vezes para encher o ego dos signatários, do que para servir os interesses do Desporto (mais uma vez: Desporto, não colectividades e associações desportivas).

Quando as vacas, ficaram irremediavelmente magras, também esta fonte se esgotou e hoje deparamo-nos com o associativismo falido (não só a nível monetário) e como tal um Sistema Desportivo falido, essencialmente na sua base, pois o seu topo não o aparenta, com manifestações grandiosas de capacidade financeira... mas essa falência progressivamente irá atingir os patamares superiores.

Chegamos ao dias de hoje, e as colectividades vêem-se a braços com uma realidade para a qual não estavam preparadas:
- esgotaram-se as fontes de rendimento a fundo perdido;
- são incapazes de responder às necessidades da sociedade;
- são incapazes de proporcionar retorno a fontes de rendimento renováveis;
- não têm conhecimentos adquiridos, capazes de contornar esta dificuldade;
- não se adaptaram estruturalmente a uma sociedade em mudança, cada vez mais exigente.

Durante trinta anos, estas entidades não se preocuparam (porque não precisaram, nem nunca lhes foi feito ver que a fonte de energia era não renovável, em boa verdade) em potenciar as suas relações, em fazer ver que os investimentos nelas efectuados por particulares, empresas, autarquias, etc, podiam ter um retorno mensurável e capaz de optimizar os investimentos (em diversos planos). Durante estes anos o Sistema Desportivo foi incapaz de criar uma necessidade real, não hipócrita, de consumo/associação/parceria por parte de investidores.

Ou seja, durante esse tempo, não foi estimulada a capacidade em criar "produtos" potencialmente capazes de oferecer retorno aos investimentos de terceiros que, mesmo que não o conseguissem, pelo menos trariam conhecimentos, experiência, evolução, inovação, despertariam o interesse em arriscar interessadamente no desenvolvimento do desporto em Portugal.

E se não foi explorada essa situação enquanto havia dinheiro nos vários sectores (particular/privado/público) para arriscar um patrocínio/financiamento sério, coerente e objectivo, para que mesmo que o retorno não fosse o ideal, o efeito não fosse tão significativo na sua economia (assim como assim, o Apoio não tinha qualquer retorno, por isso qualquer patrocínio deste género seria mais vantajoso) e permitisse que houvessem novas abordagens, cada vez mais capazes de satisfazer as necessidades de ambas as partes. Hoje isso está completamente fora de hipótese, não há margem para riscos com um grau de incerteza tão grande.

Não mostrámos que valia a pena arriscar durante anos a fio, enquanto havia dinheiro. Não podemos agora que não o há, querer que se arrisque em algo que a olho nu, continua sem dar provas de capacidade de retorno na exacta medida que os financiadores precisam.

Poucas entidades se conseguiram adaptar a esta realidade, e mesmo no todo poderoso futebol, casos de sucesso serão certamente muito poucos num universo tão grande - nem mesmo na ligas profissionais, todos se conseguiram adaptar a essa necessidade.

Nos dias que correm, há os que se acomodaram e estão moribundos, há a ínfima parte que procura apetrechar-se de forma a se adaptar e há a grande maioria que continua profunda e amadoramente, a desenrascar-se no dia a dia, sem estratégia, sem visão e sem coerência à espera da gotas que ainda vão caindo das torneiras do financiamento gratuito há muito fechadas.

Apenas para terminar, desengane-se quem pensa que este problema toca apenas aos pequenos clubes da aldeola perdida no meio da serra. Diz respeito a grandes e a pequenos, da cidade e do campo, a clubes, associações e a federações.

Onde está a MARCA deste Desporto?

0 comments:

Enviar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...